terça-feira, 25 de janeiro de 2011

A mulher e o trem
Mariana Clark

Falei quando não havia ninguém além de nós. Mudei o tom da voz para que você me escutasse de novo. E o que nascesse do encontro entre eu e você fosse mais do que o que sempre resta da lembrança. Quando fecho os olhos e penso que vinha por detrás das montanhas, aquelas das Minas onde eu morava e do que nunca vou deixar de ser: aquela da cidade pequena. O barulho do trem que trazia e levava saudade. Trem que em Minas também é cadeira, porta e cortina. Aquilo que o Geraldo da esquina é e muito do feio. Trem em que nos embarcamos e nos perdemos. Quis saber de você, eu lá e em tantas você também. Seus gestos, seu cabelo e a sua mão que, quando pegava na minha de relance, suspirava para não deixar dúvida se direita ou esquerda.É o que busco sempre, o que me acontecia sem nem ao menos saber como um ponto despercebido, que a vista não alcança. Meu coração, por Deus, meu coração batendo em disparada, e vinha algo do qual eu não tinha controle e me tomava como que inteira, como que mulher. E sentia até mesmo o vento que se deslocava, as árvores que ficavam mais verdes, e vinha macio por detrás de caminhos tortuosos, como os da vida, e fazia barulho como se não importasse com quem quisesse ou não ouvir. Eu, mulher mineira de chapéu que não se usa mais. Ele, o trem. Em sua fotografia, só me resta imaginar. O terno e os botões que não se foram, o olhar que depois vi em seu filho. Quis saber de você, e ele também, enquanto o via, eu naquele trem em que tantas vezes você também. Vínhamos nós dois por caminhos tortuosos como os da vida que me moldou do encontro entre o que sobrou de nós e a lembrança que volta toda vez que a noite é mais escura. Trem que passava por tantas cidades, e pessoas que vinham e voltavam, aquelas das Minas onde eu morava, as da cidade pequena, outras da beira da estrada. Havia quem se alegrasse com o apito que fez ruído no meu coração e silêncio. Primeiro alegria. Depois barulho. Silêncio. Vazio da vida sem você. Aquilo que ficou primeiro em meu ventre e depois correndo pelo quintal. Há quem tenha seus olhos sem nunca ter te visto e apenas imaginar como era. E eu conto que era por ele que ela esperava de saia rodada e blusa com botões azuis, as pernas de pudor. Ela, mulher mineira. Ele, o trem. Vinha macio por detrás da Serra. Conto em uma história de ninar mais do que a mim mesma nos momentos em que penso que fui eu quem tive a saia rodada, a mim pertencem as pernas de pudor. Ela gostava dele, e ele sabia, ela já havia dito. E falo com a voz mansa de quem fala a uma criança palavras duras de quem não se perdoou.Tantas vezes, naquela mesma estação. Tantas vezes, pensamentos que iam e vinham sobre como é a vida, e ela sempre é de alguma maneira, o mesmo trem que o trouxe e o levou. Me deixou mais do que aquilo que ficou no meu ventre, quem tem seus olhos, aquilo que me perturba por querer saber quem é você. E eu sem poder dizer nada por não saber mais do que ele. E ainda o espero na estação caso queira me encontrar. Foi na estação que virei caso da cidade, a mulher de saia rodada que esperava o trem de várias horas sem tempo e destino certos. Chegaram e partiram vários apitos, alegria e tristeza. E, assim, na cadência do trem que partia e chegava, assim mesmo fui me levando por esse movimento intenso, essa magia, essa falta de você que já me é costume, maneira de viver. E fica o apito como tudo aquilo que eu não posso pegar, mas vem de longe e me golpeia. E eu escuto, escuto todo dia.

Um comentário:

  1. Mariana:
    sou amigo do Luis Nassif e hoje ele te apresentou
    no blog dele, contando a história do Antenógenes,
    que você ajudou a construir.
    vou acompanhar o seu trabalho.
    um grande abraço.
    romério

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